Gerais de Riacho dos Machados - Foto: José Fábio |
Você conhece coquinho azedo, pequi, mangaba, araçá,
araticum, coco-catulé, cagaita e inúmeros outros frutos do Cerrado? Se depender
dos geraizeiros de Riacho dos Machados, no Norte de Minas, parte desses
tesouros naturais serão transformados em produtos: polpas, óleos e diversas
outras formas de beneficiamento a partir do extrativismo agroecológico. O
objetivo é que mais pessoas tenham acesso aos benefícios dessas plantas nativas
e, ao mesmo tempo, que seja garantida a geração de renda para as famílias
locais através do manejo sustentável da biodiversidade. Para isso, os
geraizeiros lutam pela implantação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável
(RDS) Tamanduá Poções, que é uma forma de conservar o território tradicional e
preservar nascentes e recursos naturais existentes.
O Cerrado está presente em 13 estados brasileiros e,
graças à sua vastidão e às riquezas da sua fauna e flora, é considerada a
savana mais diversa do mundo. Mas, infelizmente, de forma muito contraditória,
é também um dos biomas mais ameaçados do país. No Norte de Minas, a região que
abriga o Cerrado é conhecido como área de “Gerais”, por isso chamam-se “geraizeiros”
a população tradicional que vive no lugar. Como em todo o bioma, também existem
devastações e ameaças de grandes empreendimentos que exploram e degradam o
ambiente, por isso se faz tão importante garantir estratégias de fortalecimento
do território e da geração de renda para as famílias locais.
O projeto promovendo mais conscientização e mobilização com os moradores *Foto tirada antes da pandemia por José Fabio |
“A gente luta pela preservação e continuação dos bens naturais que foi deixada pelo nosso Criador”, explica Custódio Camilo, geraizeiro e diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Riacho dos Machados. Segundo ele, a RDS é uma estratégia de geração de renda para as famílias, mas é também um cuidado com as juventudes e próximas gerações: “Estamos vivendo uma época que a juventude pode nem conhecer o que era tão normal, tão natural em nossa região. Inclusive a pesca e os remédios caseiros naturais e muitos outros. São alternativas que o povo do campo usava para toda sua sobrevivência, garantir a vida longa e mais saudável e hoje a gente tá vendo tudo desmoronando. Então a RDS é uma estratégia para isso.”
Momento de solidariedade: STR e geraizeiros preparando cestas de alimentos para familias em situação de vulnerabilidade social - Foto: Célia Santos |
Segundo Joeliza Aparecida de Brito, geraizeira da comunidade Córrego, presidente do STR e também diretora do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM), é muito importante que a biodiversidade e a cultura local sejam valorizadas. De acordo com ela, existem muitas experiências de resistência e preservação ambiental em diversos locais do país, que geram renda e garantem que as famílias vivam bem em seus territórios tradicionais.
Joeliza também falou sobre as inúmeras riquezas e
particularidades que existem nas comunidades em Riacho dos Machados e que são pouco
conhecidas, como é o caso do coco-catulé, uma planta que fez parte da cultura
geraizeira e das estratégias de convivência com o semiárido, e merece ser preservada.
“O coco-catulé foi muito usado pelos
geraizeiros na cobertura dos telhados das casas, na alimentação dos seus
frutos, como também no artesanato, através da fabricação de peneiras, balaios,
entre outros”, contou. “É uma planta
que tem aqui, a natureza oferece para a gente, já teve uma habilidade muito
grande na vida do geraizeiro e continua tendo. Dá um cacho muito bonito. Na época
de crise é muito utilizado e faz parte da nossa tradição geraizeira”,
completou.
A RDS é uma
área natural protegida de um território que abriga as populações tradicionais.
Essa modalidade de unidade de conservação permite atividades produtivas e
sistemas de exploração sustentável dos recursos naturais. Um dos objetivos da
RDS, além da proteção da natureza e manutenção da diversidade biológica, é
assegurar as condições para a reprodução e a melhoria dos modos de vida das
populações tradicionais que nela habitam. Além disso, visa valorizar, conservar
e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente desenvolvidas
por essas populações.
Viveiro de Mudas de uma das comunidades geraizeiras de Riacho dos Machados |
Ao todo, são cerca de 150 famílias das comunidades Tapera, Poções, Cabaceiras, Córrego Verde, Córregos e Marimbo. Elas estão realizando o projeto “Cuidando do Cerrado e Promover a Vida” para capacitação nos processos produtivos e melhoria da estrutura no território. As comunidades construíram viveiros e sistemas agroecológicos de produção de frutas, e distribuíram mudas frutíferas. Diversas famílias receberam um sistema de aproveitamento de Água de Reuso, que reutiliza a água usada na limpeza da casa para a irrigação das plantas frutíferas, contribuindo com a segurança alimentar das famílias. Esse projeto recebeu o apoio do STR de Riacho dos Machados e teve como parceiro o CEPF Cerrado e IEB.
Parte das
famílias já realiza entrega de frutas para a Cooperativa Agroextrativista
Grande Sertão, que beneficia a matéria prima e transforma em polpas que são
comercializadas no Norte de Minas.
CERRADO BRASILEIRO - Desde o processo de
ocupação, o Cerrado brasileiro vem sendo tratado como mato, uma vegetação sem
valor que precisa do “desenvolvimento”. Esse pensamento totalmente colonizador
ignora as riquezas e biodiversidades existentes nos territórios, assim como a
sabedoria e a cultura das comunidades tradicionais que vivem neles.
O Cerrado abriga cerca de 12.000 espécies de plantas, das quais mais de
um terço são endêmicas, ou seja, só ocorrem nesta região. É o segundo
maior bioma brasileiro e estende-se por uma área de 2.045.064 km². É
conhecido pelos estudiosos como a “Caixa d’Agua do Brasil” ou até mesmo conhecido
como “Berço das Águas”, pois tem um papel importante no fornecimento de água
para o país, abrigando importantes nascentes que são determinantes para bacias
hidrográficas da América do Sul. Isso faz com que, de uma forma ou de outra,
todos os biomas brasileiros “bebam” água do Cerrado. A fauna também apresenta
grande diversidade e uma riqueza muito particular, com pelo menos 2.373
espécies de vertebrados, dos quais cerca de um quinto são endêmicos.
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